Por Lucia Helena Corrêa
No coração do Nordeste brasileiro, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife — C.E.S.A.R. promove a harmonia entre o ideal da atividade de pesquisa e a urgência pragmática do mercado. Assim é que supera o antigo desafio de levar o produto tecnológico, a inovação resultante da investigação científica ao setor produtivo, e faz de Pernambuco muito mais do que a capital mundial do frevo. “Yes, nós temos software!”
O que nasceu primeiro: a tecnologia da informação ou a necessidade que ela cria no homem moderno, levada às últimas consequências; isto é, a dependência total de computadores, internet, celulares, iPods, filmadoras, eletrodomésticos inteligentes, jogos eletrônicos e outros dispositivos mais ou menos inteligentes? Aliás, a necessidade existe, de fato, ou é algo que a indústria criou, com a cumplicidade do marketing e da publicidade? Alguém se lembra de como era a vida antes da internet?
Dentro da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o C.E.S.A.R. desistiu de tentar responder a essas perguntas. Em vez disso, já vai longe na superação daquele que sempre foi o maior desafio, quando se trata da geração, disseminação e incorporação do conhecimento ao processo produtivo, especialmente em TI: desencastelar os produtos gerados pela pesquisa científica, nas universidades e instituições em geral, entregando os resultados à sociedade, à indústria, conforme explica Sílvio Meira, um dos idealizadores do projeto, consultor e atual cientista-chefe do C.E.S.A.R., instituição que forma, por ano, dezenas de especialistas em TI aplicada a negócios. Um verdadeiro grupo de elite profissional.
Entidade sem fins lucrativos criada em 1985, o C.E.S.A.R. também é exemplo de competência financeira: graças à comercialização das soluções ali desenvolvidas, a instituição fatura, por ano, R$ 28 milhões, atraindo talentos da UFPE e de outras universidades nordestinas. Mas, além de aproximar a pesquisa dos centros de produção, o C.E.S.A.R. aposentou o paradigma pelo qual sempre se orientou o consumo de produtos gerados nas instituições de pesquisa. “Não é mais a indústria que nos procura com soluções já especificadas, para que apenas executemos os projetos. É cada vez mais comum o C.E.S.A.R. identificar a necessidade de determinado setor industrial ou de serviços e levar a solução por ele já desenvolvida, sempre com elevado grau de inovação, em termos de tecnologia, aplicada a produtos e processos”, explica Eduardo Teixeira, que responde pela gerência de negócios e, em dobradinha com Sílvio Meira, lidera a equipe de nove gerentes especializados em processos de negócios, dos quais cinco engenheiros, dois administradores de empresas e dois psicólogos.
A importância do C.E.S.A.R. é maior, na medida em que ele, dia a dia mais, se especializa em soluções de interesse do mercado: ferramentas de TI capazes de facilitar o armazenamento e transformação de grandes massas de dados (Big Data) em informação e conhecimento e, ainda, de garantir a mobilidade, os dois eixos em torno do quais gira a tecnologia nos dias de hoje. Segundo estudos da Cisco, em 2020, haverá dez equipamentos conectados por pessoa, o que equivalerá a oito bilhões de “coisas” ligadas à internet, de computadores, telefones e outros dispositivos de mão a carros e eletrodomésticos.
Pesquisa de resultado
A ação pragmática do C.E.S.A.R. dá resultados de valor inquestionável, a começar pelo polo de produção de software que reúne cerca de 200 empresas, 79 delas operando no Porto Digital. Cada uma emprega, em média, 20 pessoas, mas “a meta é chegar em 2015 com cem pessoas por empresa, o que vai amplificar de maneira acentuada o mercado de trabalho de TI”, projeta Sílvio.
Por iniciativa direta do C.E.S.A.R. foram criadas 30 empresas de software, das quais 20 em plena atividade. Aliás, a taxa de sobrevivência é das mais elevadas: 66%. Um dos “filhotes” do centro de pesquisa é a Radix, empresa que, em 2010, nasceu como portal de busca e hoje, próspera, se divide em duas: uma dedicada ao gerenciamento de dados e outra especializada em engenharia de busca e desenho de sites.
Atualmente, o Polo Digital, criado em 2000, representa 1,5% do produto interno bruto de Pernambuco, mas a meta é atingir 10% em 2015. A lista de inovações, que não para de crescer, inclui, entre outras, as soluções de software que permitem, por exemplo, que as indústrias monitorem os gastos com energia e criem mecanismos que favoreçam a economia, aponta Eduardo.
Mas há, também, as ferramentas inteligentes para contact centers; monitoramento automático remoto e pressão do óleo em veículos automotores; racionalização do antigo Sistema de Informações de Crédito do Banco Central; monitoramento de irrigação, usada no controle da distribuição de água nas plantações, com capacidade para atender cidades com até 10 mil habitantes; processamento de imagens; e a mais numerosa família de soluções que incorporam recursos de inteligência artificial, empregadas, por exemplo, no reconhecimento facial e de gestos, em jogos eletrônicos e em operações com telefones celulares.
A excelência da produção dá direito às empresas do Polo Industrial de desfrutarem de uma série de benefícios, desde os descontos de alíquota e isenção total de impostos até a redução de tarifas e gratuidade nos serviços de telefonia móvel.
Quem trabalha no C.E.S.A.R.?
Embora a instituição não discrimine a mão de obra que chega de outros estados, os pesquisadores e consultores que ali trabalham são, predominantemente, do Nordeste. “A UFPE não forma e jamais poderá formar, sozinha, o capital humano de que o Porto Digital precisa”, reconhece Sílvio. Mas o vestibular é um dos mais seletivos: 17 candidatos por vaga, com o máximo de 100 alunos aceitos e 60 formandos por ano. Cerca de outras 12 escolas superiores de informática, juntas, oferecem 1 mil vagas por ano.
Hoje, o C.E.S.A.R. emprega cerca de 400 pessoas, dos quais quase 60% de formação universitária. “Mas não damos tanta importância aos títulos. O diretor de Engenharia de Design, um dos melhores do Brasil, só tem curso secundário. O que nos interessa é gente realmente criativa, descobrir o que as pessoas sabem fazer e não os diplomas que elas têm”, sinaliza Sílvio.
A tática é certeira. Celeiro de talentos da pesquisa de TI, o C.E.S.A.R. é frequentemente procurado por empresas como IBM, Microsoft e Oracle, entre outras, que recorrem ao centro de pesquisa, atrás de profissionais superqualificados, com a marca da inovação e ampla visão de negócios.
O mais gratificante, porém, é que os jovens pesquisadores formados nas tecnologias, de hoje e do futuro – mesmo cedendo ao jogo de sedução das multinacionais norte-americanas, que lhes acenam com assento permanente nas equipes de pesquisadores mais prestigiadas no mercado, gordos salários, instalações e condições de vida bastante confortáveis na Meca da tecnologia, os Estados Unidos –, quase sempre voltam para Pernambuco, comprometidos com a ideia de colocar o conhecimento adquirido a serviço da comunidade onde nasceram e se formaram.