Por Cristina Degani
Você entra no Facebook, começa a ver a timeline dos amigos, fuça na vida dos amigos dos amigos e de repente aparece um post de alguma marca falando bem de determinado produto, serviço ou evento. E você pensa: noooossa, como eles adivinharam que eu “curto” isso? Ou então: noooooossa, o que isso tem a ver comigo?
Esse foi um dos assuntos da Campus Party 2014, evento que aconteceu na última semana de janeiro no Parque do Anhembi, em São Paulo, e reuniu no palco Gutenberg – dedicado às mídias sociais – os especialistas Tatiana Tosi, pesquisadora e especialista em netnografia; Ricardo Cappra, conhecido por ter participado da equipe de redes sociais das duas campanhas do presidente norte-americano Barack Obama; e Marcos Gomes, CEO da Boo-Box, empresa de publicidade digital.
Os três falaram como o conteúdo gerado pelas pessoas nas mídias sociais pode orientar as marcas a interagir melhor com seu público e como serviços e produtos podem ser mais assertivos na entrega de sua proposta de valor, no lugar certo e no momento certo.
Bola de cristal
O poder de adivinhação dos hábitos e atitudes nada tem a ver com telepatia, mas sim com ciência. Chama-se ciência de dados o campo de estudos dos rastros que deixamos no meio digital e que podem ser minerados (do inglês mining) para serem transformados em inteligência de dados. O mercado de trabalho do Big Data está ampliando com profissionais formados em Matemática, Estatística, Análise de Sistemas, dentre outros cursos.
Em outras palavras, tudo o que deixamos público na internet ou que permitimos que seja lido pelos serviços online pode e será usado para entender melhor nosso perfil como consumidor. Já percebeu que depois de buscar alguma informação no campo de um site de busca e entrar depois em sites que tenham publicidade provavelmente um anúncio daquele produto ou segmento vai perseguir você? Isso é o que faz o algoritmo do Google, por exemplo, registrando por cookies o que você busca e lhe entregando anúncios que tenham mais aderência ao seu comportamento de uso.
Nas redes sociais não é diferente: Facebook, Pinterest, Instagram, Get Glue, Foursquare, etc., são serviços gratuitos que se aproveitam tanto das informações do perfil do usuário quanto do conteúdo postado/ curtido/ compartilhado para entregar principalmente a publicidade, seja em formato de banners, posts patrocinados ou outros tipos, que seja realmente de interesse da pessoa.
Para que isso seja feito com consentimento dos que usam esses serviços, é assinado o famoso (ou nem tanto porque muita gente nem lê) termo de uso do site, em que antes de criar o perfil o usuário tem de dar aceite (opt in) numa caixinha (check box) dizendo que aceita todos os termos daquele serviço, e blábláblá. Blá blá blá porque a maioria, segundo esses especialistas não lê mesmo, e acaba compartilhando informações valiosíssimas. Esse é o preço.
Não tem almoço grátis
“Não adianta reclamar que o serviço de e-mail gratuito lê suas mensagens e entrega anúncios com base nas palavras chave que você escreve. O serviço é gratuito e tem de tirar algum proveito disso. Nas redes sociais é a mesma coisa: se você curte isso, aquilo, compartilha tal conteúdo, etc., vai receber publicidade daquela marca desde que seja anunciante. Não tem almoço grátis”, explicou Cappra, que foi um dos responsáveis pela ativação da população latina nos Estados Unidos via redes sociais na campanha do Obama em 2002 e 2008.
Já a pesquisadora Tatiana Tosi lembrou que por mais que se fale em invasão de privacidade, NSA, Edward Snowden e Julian Assange, estamos na era da informação e temos de saber o que deixamos público e o que ainda deve ser privado. “Veja por exemplo o Instagram: são milhões de fotos postadas e muitas com a intimidade de famílias inteiras, crianças e outros temas que não eram tão públicos. Por mais que não se tenha publicidade diretamente impactando o consumidor no aplicativo, o conhecimento de comportamento e perfil demográfico dessas pessoas pelas marcas é gigante. As marcas estão usando essa informação para mapear tendências, criar e desenvolver produtos”.
Para Marcos Gomes, o critério para se ter privacidade nas redes sociais ou em outros serviços digitais é simples: “Se você não é cliente, você é o produto”. Ele comentou sobre os serviços gratuitos, em que são veiculados anúncios na maioria das vezes, e os pagos, que tem restrição para isso. “Mas por que eu não gostaria de receber algo que tem exatamente a ver com meu perfil ao invés de um anúncio de produto feminino só porque eu fiz uma pesquisa para minha esposa?”. Gomes se referiu ao fato de começar a ser “perseguido” por um anúncio de xampu feminino depois de ter pesquisado a pedido da mulher.
Essa parece ser a questão mais polêmica no Brasil entre os especialistas em marketing digital e os defensores da privacidade na rede (vide o projeto do Marco Civil da Internet), de onde começa a privacidade do indivíduo e até onde pode ir a curiosidade das instituições, públicas ou privadas, para conhecer mais e melhor os hábitos, atitudes, demografia e interesses dos mais de 110 milhões de brasileiros que navegam na internet brasileira. Seria melhor que o meio digital “adivinhasse” nossos gostos e antecipasse nossos desejos ou sermos anônimos? Os especialistas na mesa deixaram a questão para a plateia, que ficou dividida. O que você acha?